- Montagem de Cd e Espetáculo MAR ANTERIOR
Horizonte Fernando Pessoa |
LIDUÍNO PITOMBEIRA | site – UFRJ ACÁCIO PIEDADE | Lattes – UDESC
Nestes arranjos serão destacados a polirritmia e a polimetria dos tambores dos orixás, confrontando e entrecruzando danças e cantigas da Idade Média europeia, evidenciando o mito lusitano da SAUDADE não como um sentimento exclusivo do português colonizador, mas sobretudo, como sentimento gerado pelas grandes navegações causadoras das DIÁSPORAS – separações forçadas ou voluntárias relacionadas ao projeto expansionista, colonizador e conversionista dos países católicos ibéricos, deflagrado pela Contra-Reforma. MAR ANTERIOR justifica-se por dar visibilidade a fontes e origens de uma música escondida, através de um olhar crítico sobre o apagamento de culturas subjugadas. Apresenta canções inéditas tradicionais populares brasileiras e da Idade Média ibérica. Evidencia o encontro da música dos povos conquistados e apartados de suas origens, no caso povos africanos escravizados, com o sentimento de saudade contido na poesia medieval portuguesa e na música - poesia de tradição oral brasileira. Traz junto ao movimento diaspórico da escravidão as pequenas migrações e peregrinações, num momento histórico atual onde as imigrações e o racismo tomam conta das relações sociais. Como pano de fundo permeiam o oceano, a saudade e o trauma da escravidão. Como num palimpsesto [Palimpsesto (do grego antigo παλίμψηστος, transl. "palímpsêstos", "aquilo que se raspa para escrever de novo": πάλιν, "de novo" e ψάω, "arranhar, raspar") designa um pergaminho ou papiro cujo texto foi eliminado para permitir a reutilização. Tal prática foi adotada na Idade Média, sobretudo entre os séculos VII e XII, devido ao elevado custo do pergaminho'. A eliminação do texto era feita através de lavagem ou, mais tarde, de raspagem com pedra-pomes.] os arranjos contidos no programa musical fazem emergir dos manuscritos medievais europeus os sons da ausência dos povos submetidos à brutalidade do colonialismo e do escravismo, e ainda hoje marginalizados como cidadãos de segunda classe na sociedade nacional, onde o sentido de ausência pode ser estendido (entendido) como perda da própria condição de pessoa humana. O Grupo ANIMA frisa neste projeto a importância de trazer à tona repertórios apartados de nossa memória musical tradicional e que foram recolhidos e registrados, entre as décadas de 1920 e 1940 por dois grandes músicos e pensadores de uma cultura musical identitária brasileira: Mário de Andrade e Camargo Guarnieri, que, em 1937 seguiu de São Paulo para os terreiros do candomblé afro-brasileiros de Salvador, com a missão de recolher os cânticos dos orixás do candomblé Kêtu, Angola e do Candomblé de Caboclo, missão esta também organizada por Mário de Andrade, através do então Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Este repertório ficou adormecido ao longo de décadas e, através de pesquisas do Grupo ANIMA, do Ogã LEANDRO PERES (convidado a participar do CD e da montagem do espetáculo musical MAR ANTERIOR), e de etnomusicólogos como TIAGO DE OLIVEIRA PINTO e PAULO DIAS, foi reconstruído e atualizado nos arranjos apresentados no programa MAR ANTERIOR. ANIMA traz à tona sonoridades apartadas de nossa memória, recolhidas, entre 1920 e 1940 por dois músicos e pensadores de uma cultura identitária brasileira, Mário de Andrade e Camargo Guarnieri, que, em 1937 seguiu para os terreiros do candomblé afro-brasileiros de Salvador, com a missão de coletar cânticos dos orixás, do candomblé kêtu, angola e de caboclo. Este repertório apagado e adormecido por décadas e revivido por pesquisas do Grupo e de etnomusicólogos como Tiago de Oliveira Pinto e Paulo Dias, foi atualizado nos arranjos. Também inéditas são fontes pesquisadas por Mário de Andrade nas Missões de Pesquisas Folclóricas (1928 e 1938), em especial cantigas de cego, onde o tema das peregrinações, radicado na poesia trovadoresca europeia é recorrente. Junto ao repertório afro-brasileiro apresenta 7 cantigas praticamente inéditas escritas pelo rei D. Dinis (1261-1325), encontradas pelo pesquisador H. L. Sharrer em 1990 na Torre do Tombo, Portugal, em pergaminhos fragmentados e recuperadas pelo musicólogo Manuel Pedro Ferreira. Essas cantigas estão entre as mais importantes descobertas musicológicas da atualidade. Ao realizar o registro das únicas canções de amigo que contêm a partitura musical de autoria do rei trovador e interligar esta tradição aos resquícios da arte de trovar que persistiram na cultura oral brasileira, ANIMA traz como pano de fundo o Oceano e a Saudade. Porém em MAR ANTERIOR a cantiga de Dom Dinis não representa somente o legado do trovar português, mas, sobretudo, as navegações e o trauma da escravidão e das diásporas que carregam como marco inicial D. Dinis, que Fernando Pessoa nominou “O plantador de Naus”.
Etapas: pesquisa de repertório encontrado em registros históricos de música afro-brasileira; pesquisa de repertório medieval ibérico; seleção de repertório; pesquisa e seleção de imagens; 5 oficinas temáticas abertas ao público de cultura e música afro-brasileiras, música e cultura medieval; arranjos coletivos; dramaturgia e roteirização; composição de imagens e cenário; montagem; ensaios; criação do “Núcleo de estudos e difusão das músicas e dos instrumentos tradicionais populares e históricos” - UDESC |